BREVIDADE

O eu infalível
fora do limite,
o eu que não existe,
eu impossível.

Não vou dar valor à falta.
Tenho um corpo, veja.
Toque-me: é disso que sou feito.
Este volume, este peso, esta pele.
Eis-me.
Nem mais, nem menos, o mesmo.
O que sou agora.

É sempre no agora meu tempo
– até deixar de ser.
Então no quando eu não houver,
leia esta página e lembre-se.
E rasgue o corpo dessas ideias.
Será o confete para celebrar
que agora você vive,
ainda que ainda.

Lance no ar e celebre
a vida breve.

ETERNO RETORNO

Há atividade no deserto
sob a areia que torra e esfola.
Há felicidade no exílio,
à sombra do desterro.
Há cumplicidade no ostracismo
– voluntário que seja.
Há medo no aconchego
e tristeza no banquete,
um desejo pela morte,
e alívio na desgraça alheia.
Há até má fé no dó
e prazer na dor
e gozo no estar só,
e pode haver mal no bem que concebemos.
Mas não existe a menor possibilidade
de voltar no tempo
nem desfazer um rumo
sem o percorrer de novo
com outro sentido.

O eterno retorno
ronda à espreita.
Vamos chamá-lo,
tenha certeza.
Vamos desejar
nosso bem ou nosso mal,
você sabe.
Será nossa dor.
Porque a dor é da vida,
amigos,
mas o sofrimento é opção.
Nas certezas da vida
há sempre um senão.
E o sentido da vida existe:
ela só corre numa mão.
Em frente, em frente.
Sempre.

ABRE-ALAS

O que seria a vida sem os atavios?
Eu amo os adornos e seus contornos.
De beleza é que me remendo.

Tal beleza eu recomendo,
de formas me preencho…

E se a barbárie rondar
e desfiar-me em desafios,
ao desalinho não há lugar em meu tecido.

Posso adentrar em sua casa e encanto levar
O meu brilho vai atacar seus olhares
Prometo não roubar a cena.

Meu paetê pode ofuscar seu ego
mas e daí? não nego
A alegria é de contagiar!

É, simplesmente assim!

(criado com Bruno Black, 2020)

CETTE DANSE

(para Renato Vieira)

O que meus olhos veem,
meus pés dançam.
Trago pupilas em meu coração.
O que é mau, não vejo
sei que existe, mas nem
quero saber
e beijo o bem
que me move,
não só com lábios,
mas com todos os sentidos
despertos.
Eu danço para estar junto,
estar perto
de tudo aquilo que amo,
de tudo isto que sou.

Dancemos
não para esquecer, mas celebrar o risco
e lembrar que somos
este corpo, este tempo, este grito
sussurrado entre zilhões de estrelas.
Dancemos para celebrar o pó
e sacudir o pó
e relembrar quão sós
estamos entre zilhões de estrelas.
Dancemos para sermos
pois somos enquanto há dança!