AFRODITE

Nasci de um assassínio,
poder castrado.
Assassinata.
Do sangue casto que pingava
eu me coagulei, pura
apesar da ira da vingança.
Nasci mulher, não fui criança.
Meu parto foi no mar,
as contrações em ondas.
Espuma, sangue, água.
Pérola de carne
macia, molhada.
Eu sou a concha do prazer,
você me quer.
Bem me quer.
Mal me quer.
Eu sou a virgem deflorada.
Qualquer um me quer,
não sou mulher,
sou a Beleza encarnada,
uma deusa mal dita,
de pureza interdita.
Euforia inaudita.
Afrodite.
Inflamação de amor,
paixão – no sentido cru da palavra.
Evoca minha presença e ama!
Me chama no arrepio da pele
e goza as delícias do corpo vigoroso,
vem!
Sem
a minha bênção
tua vida é só pena.
Oferece a tua carne
em sacrifício.
Eu sou a deusa honesta,
a única a lembrar
que viver é o que te resta.

ETÉRICO

Eu sou, sei lá, feito de nuvem
de um sonho poroso
aéreo
volátil.
Vou ao vento.
Volante.
No acúmulo esparso que sou,
vivo no nimbo,
sorrindo
abstrato.
Estrato
de lembranças e desejos.

Não se guie por mim,
não sou nenhum norte.
Não me desafie,
não sou serafim
sou forte
não fraquejo
e se me falta algum traquejo
voo disperso e me afasto
relampejo
contra tanta gente
infame e nefasta.

Eu me precipito sem ser visto
no horizonte latente da estrada,
onde o céu se descortina
oculto e presente
e o que há à frente
é só fronteira e possibilidade.
E assim
próximo ao fim
eu me descarrego
suave e potente
no ciclo
e de novo
e de novo.

Este sou eu, pasme.
Que no seu espanto
já não haja pranto:
abrigue-se
ou saia
perfumada
pra rua
e deixe
a chuva
te beijar.